Os Muckers – messianismo em Sapiranga
O
Brasil, da segunda metade do século XIX até meados do XX, foi um
terreno fértil para movimentos milenaristas, como Canudos (veja a
postagem http://historiaeavida.blogspot.com/2011/10/civilizacao-ou-barbarie-o-massacre-de.html) ou o Contestado. No Rio Grande do Sul, não foi diferente. O mais conhecido movimento foi o dos Muckers, que ocorreu do final da década de 1860 até 1874, em Sapiranga, quando este município ainda fazia parte de São Leopoldo.
Quando
os imigrantes alemães chegaram ao Brasil, receberam terras e incentivos
do governo. Mesmo assim, havia problemas quanto a questão das heranças.
As partilhas acabavam gerando propriedades muito pequenas. Além disso,
como o Brasil era um império católico, os imigrantes luteranos acabavam
sendo prejudicados, pois todos os registros de batismo, casamento e
óbito deveriam estar registrados nas Igrejas, não reconhecendo,
portanto, a herança de quem não fosse católico.
Nesse
contexto, existiam disputas veladas entre imigrantes germânicos
luteranos e católicos, moradores do meio rural e do meio urbano, como
comerciantes. Foi nesse contexto e nas bordas entre estes conflitos que
surgiram as figuras do casal Jacobina e João Jacob Maurer.
João
Jacob era um curandeiro local, conhecido como “Wunderdoktor”, que
recebia os doentes em sua casa. A sua esposa, Jacobina, dizia ter
visões, e passou a interpretar a Bíblia (ainda que muito provavelmente
fosse analfabeta) e a fazer profecias. Muitos dos que frequentavam o lar
dos Maurer em busca de curas passaram a ver Jacobina como Messias, uma
reencarnação de Cristo, que viria salvar aquelas pobres almas.
Por
volta de 1872, os seguidores de Jacobina passaram a se instalar no
Morro Ferrabrás, isolando-se do restante da comunidade. Tal comunidade
não era muito bem vista pelos membros de uma elite econômica local e
causavam problemas para as autoridades. O casal chegou a ficar preso por
quarenta e cinco dias em 1873.
O grupo em questão ficou pejorativamente conhecido pelos demais como muckers,
palavra alemã que desgina um “falso beato”, ou alguém que parece ser
santo, mas na verdade não é de confiança. O termo ainda era usado na
Alemanha para designar os membros de uma ala “purista” do luteranismo,
os pietistas.
É importante frisar que entre os Muckers
havia tanto protestantes como católicos. Foi um movimento social
religioso milenarista, que via em Jacobina o seu Messias. Ao mesmo
tempo, foi depreciado tanto pelas autoridades eclesiásticas, como por
pastores luteranos. Mesmo assim, a mensagem de Jacobina atingiu uma
ampla gama da sociedade: tanto pobres quanto pessoas mais abastadas se
identificaram com suas ideias.
Entretanto,
com o tempo, o grupo se tornava cada mais separado e cada vez mais se
opunha aos outros imigrantes, ou descendentes de imigrantes alemães. Em
contrapartida, esta comunidade passou a hostilizar os Muckers cada vez mais. Com isso, os ânimos se acirraram e as normas do grupo ficaram mais rígidas.
Em
1874, os seguidores do casal Maurer teriam praticados atos violentos
contra moradores das redondezas. O atentado contra uma autoridade local,
o assassinato de um órfão cuja tutela um mucker havia perdido, e vários incêndios a casas, galpões e vendas foram os crimes que lhes foram atribuídos.
No início de agosto de 1874, os Muckers
foram massacrados e Jacobina foi morta por uma intervenção militar
brasileira. Cerca de cento e cinquenta pessoas foram mortas. O grupo
heterogêneo, composto de homens e mulheres; adultos, idosos e crianças
ainda resistiu com táticas de guerrilha, apesar da desproporção das
forças em combate.
O
atual secretário da Cultura do Rio Grande do Sul, Luiz Antonio de Assis
Brasil, escreveu o romance “Videiras de Cristal”, que narra a história
de Jacobina e seus seguidores. Existem dois filmes sobre o tema: Os Muckers, de 1978, com Paulo César Pereio e José Lewgoy e A Paixão de Jacobina, de 2002, com direção de Fábio Barreto.
Bibliografia:
KÜHN, Fábio. Breve história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Leitura XXI, 2004.
DICKIE, Maria Amélia Schmidt. “O movimento mucker, o demônio, a irracionalidade e o espírito”. In: PICCOLO, Helga Iracema Landgraf e PADOIN, Maria Medianeira. Império - Coleção História Geral do Rio Grande do Sul. Passo Fundo, Méritos, 2006, v. 2.
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